Por meio de capacitação profissional, presos de Luziânia ganham dignidade e nova chance
Em uma ação conjunta com instituições do sistema prisional, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), com a supervisão do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), está contribuindo para que pessoas privadas de liberdade tenham uma nova chance de viver com dignidade e, ao mesmo tempo, trazer mudanças estruturais e sociais no ambiente carcerário. Na comarca de Luziânia, o TJGO, a Polícia Penal (PP) e o Conselho da Comunidade local estão capacitando, profissionalmente, homens e mulheres, para que essa força de trabalho seja reconhecida e remunerada, e, com essa mão de obra, também atender as necessidades do próprio sistema prisional. Em Goiás, os presídios masculino e feminino de Luziânia receberam as melhores pontuações em todo o Estado nos critérios de estrutura, saúde e educação.
A iniciativa beneficia internos tanto do regime fechado masculino quanto do feminino, respectivamente Centro de Inserção Social (CIS) e Unidade Prisional Regional de Luziânia (UPRFEM), além de internos temporários do Centro de Prisão Provisória (CPP), todos beneficiados com a redução de pena, por meio de previsão legal de Execução Penal (LEP), e remuneração.
Metas do Plano Pena Justa
E a partir das qualificações realizadas dentro dos presídios, a força-tarefa está habilitando detentos para os ofícios de pedreiro, marcenaria, pintura, marmoraria, eletricista, costura, entre outros, em parceria com institutos técnicos do Estado. Esse ciclo colaborativo tem resultado nas melhorias necessárias para atender as diretrizes da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, do Supremo Tribunal Federal (STF), que declara violações dos direitos fundamentais, bem como as metas estabelecias no Plano Pena Justa.
“Este projeto em Luziânia demonstra o compromisso e a dedicação de todas as instituições envolvidas na construção de oportunidades para os reeducandos. A soma de esforços entre Judiciário, GMF/GO, Polícia Penal, Conselho da Comunidade e demais parceiros tem gerado resultados consistentes e melhorias efetivas no sistema prisional”, ressaltou o desembargador Fernando de Mello Xavier.
Mãos à obra no sistema prisional em Luziânia
Com a capacitação profissional dos detentos, uma série de reformas estruturais e sociais já podem ser vistas, por meio de projetos desenvolvidos pela Polícia Penal e subsidiados pelo Judiciário estadual, por meio de verbas pecuniárias depositadas na conta unificada da execução penal do município. O juiz Victor Alvares Cimini Ribeiro, integrante do GMF e titular da 1ª Vara Criminal de Luziânia, explica como funciona a execução dessas benfeitorias. “Por meio de edital, abre-se um procedimento para a escolha de projetos de entidades da sociedade civil. Depois de elaborados os projetos, o Judiciário analisa sua viabilidade e pertinência, sob o crivo de interesse social. Com os alvarás expedidos, compete ao presidente do Conselho da Comunidade a aquisição do material e entrega ao destinatário. Ao final das obras ou serviço, o conselho presta contas e remessa à Vara de Execuções Penais para análise e aprovação”, explicou o magistrado.
Entre as diversas frentes de trabalho realizadas em Luziânia, as ferramentas dispostas de forma voluntária estão sendo, segundo o juiz Victor Cimini, instrumentos de reintegração social. Na verdade, são postas aos internos como oportunidades deles terem uma profissão. O trabalho, o estudo e a leitura têm a função de ressocializar o reeducando e buscar torná-los aptos ao convívio harmônico em sociedade.
Apoio dos Projetos Aprovados
O Conselho da Comunidade de Execução Penal de Luziânia, que compra os materiais e presta conta dos serviços, observa que os investimentos provocam efeitos dentro e fora do sistema penitenciário. “A realidade hoje dos presídios de Luziânia é outra. Em 2018, a situação era bem caótica. Agora, por meio do Judiciário, as unidades prisionais estão reformadas e mais humanizadas. A função do conselho, conforme previsto na Lei de Execução Penal, é fiscalizar e verificar os cumprimentos de pena. E percebe-se que os investimentos para cuidar dessa população têm anulado os índices de reincidência. Quanto mais ação humanizada, mais efeitos dentro e fora do sistema penal”, afirmou o presidente do conselho, Raimundo José de Oliveira Barros.
A 3ª Regional da Polícia Penal, segunda maior do Estado, engloba várias comarcas localizadas no Entorno do Distrito Federal, que tiveram melhorias estruturais que contribuíram para o bem-estar dos apenados e agentes que prestam serviço ao Estado. A coordenadora desta regional, Andreia Figueredo, destacou o trabalho de ressocialização e a quebra de ciclos da violência. “Buscamos formas para que homens e mulheres tenham dignidade em seus trabalhos e possam voltar para a sociedade sem reincidir no crime. Pensamos em qualificações que possam colaborar com seus sustentos, sem correr qualquer tipo de discriminação no mercado de trabalho para estar em sociedade”, informou.
Mudando para melhor
Já o diretor do presídio masculino de Luziânia, Lázaro André dos Santos, que coordena cerca de 420 detentos, pontuou as melhorias da unidade carcerária. “É impressionante acompanhar as mudanças e ver os próprios internos sendo beneficiados, ao mesmo tempo que vemos alas sendo construídas, espaços de recepção e administrativo com uma estrutura montada por eles com obras de pedreiro, pintura e marcenaria, entre outros ofícios. Muita coisa está mudando para melhor”, afirmou.
Lázaro informa que refeitório, parlatório, sala de advogados, maquinário de fiscalização e até a readequação do sistema de distribuição de água potável para consumo dos presos foi possível com parcerias e com a colaboração dos 22 presos que trabalham de forma voluntária e têm seu ganho garantido com seu esforço. “E assim, temos mais forças para buscar melhorias para a comunidade carcerária, entre agentes e detentos que lidamos 24 horas por dia”, observa.
No presídio provisório, com população média de 280 internos, o desafio é a adaptação inicial ao sistema penal. “Muitos aqui, em sua maioria usuários de drogas, precisam se adaptar nesse regime de aprisionamento. Eles não sabem quanto tempo permanecerão na unidade e são demandas diferentes do regime fechado. Como há muita entrada e saída, a repartição cartorária, por exemplo, é um diferencial atendido com a reforma. Com essa reestruturação, conseguimos também sala de coordenação, monitoramento 100% do complexo, setor de saúde multidisciplinar equipada, entre outras demandas”, ressaltou o diretor do presídio, Silvio Santana.
Ainda segundo ele, as readequações advindas de recursos do Judiciário estão possibilitando humanizar espaços, reforçar a segurança e as fiscalizações, acomodar espaços importantes para “trazer melhorias aos internos e servidores do sistema penal”, que emendou a execução de um projeto desenvolvido na unidade prisional, o Sistema de Filtragem de Água para o Consumo dos Detentos nas Celas, sendo referência para os demais presídios.
A unidade feminina de Luziânia, com cerca de 70 internas, é operacionalizada pela diretora Luana Rayka Machado, que enumera destaques na realização de projetos, através dos trabalhos de corte e costura, fabricação de fraldas pediátrica e geriátrica. Ela ainda cita o berçário à disposição das detentas, priorizando a humanização de espaços para parturientes e bebês, cela adaptada para pessoas com necessidades especiais e idosos, disposição de filtro com água gelada, monitoramento 100% do complexo e a instalação da unidade básica de saúde no próprio presídio, entre tantos outros. “Novas instalações, pinturas e reparos em toda a unidade com mão de obra carcerária trouxeram uma melhor acomodação para servidoras e detentas da unidade”, ressaltou Luana.
Conforme Marli (nome fictício), reeducanda que trabalha na monitoria de corte e costura no presídio feminino fala, “a costura literalmente transforma vidas, aliás, nos transforma todos os dias aqui, porque nos aproxima também dos nossos familiares. Dá também a oportunidade de recomeçarmos lá fora e sairmos com uma profissão sabendo que não precisaremos mais fazer coisas erradas para sobreviver lá fora, sem vida no crime, sem nada de errado”.
Parcerias fortalecidas
Fora do ambiente carcerário, cerca de 20 reeducandos estão operando com serviços de construção, reforma, pintura e reparos no Hospital Estadual de Luziânia. “Trata-se de uma ação de alto impacto social e institucional, que promove o resgate da autoestima do reeducando, contribui para o rompimento do ciclo de exclusão e marginalização e economia aos cofres públicos, graças à sensível atuação do Judiciário estadual e ao comprometimento da gestão prisional com a reinserção social”, comentou o presidente do Instituo Patris, Guilherme Abraão Almeida, que administra e gerência a unidade hospitalar beneficiada pela parceria.
Guilherme Abraão ainda destacou “o fortalecimento das parcerias interinstitucionais voltadas à inclusão e à justiça social, colocando-se à disposição à estruturação e futura operacionalização do Escritório Social de Luziânia, projeto em fase de implantação, destacando sua contribuição no desenvolvimento de ações de promoção da saúde voltada à população do sistema prisional”, disse. (Texto: Karineia Cruz/ Fotos: Acaray Martins- Centro de Comunicação Social do TJGO)